Gaúcho fala gauchês desde pequeno…
Morei em Caxias do Sul quando era muito pequeno, lembro de lombas enormes, neve vista pela janela e geada pelas manhãs de inverno e de uma bergamoteira no pátio.
Minhas memórias de infância são confusas e incompletas e talvez a bergamoteira nem fosse em Caxias, mas em alguma outra cidade que moramos, mas lembro dela ser uma árvore enorme (eu tinha menos de 5 anos, então tudo era grande nessa época) sempre carregada de bergamotas que colhíamos com um balde amarrado na ponta de uma taquara. Meus avós falavam “vergamota” e eu, presunçoso que era, pensava: “Que gente burra, o certo é bergamota.” Demorei anos para descobrir que o Tang de tangerina era da mesma fruta (até porque tang nunca teve gosto de fruta).
Aos 6 anos de idade nos mudamos para Tramandaí, cidade onde passei a maior parte de minha vida. Lá fiz novas amizades e por vezes saia para jogar futebol, brincar de tiro, empinar pipa ou apenas subir na obra interminável que era nossa casa, ao qual meu pai sempre dizia: “Não vai se pisar!”.
A escola onde estudava fica ao fim da nossa rua, atravessando a faixa onde por vezes uma pechada acontecia, a cidade ainda tinha poucas sinaleiras nesta época. Quando li “semáforo” pela primeira vez num livro da escola não vazia ideia do que se tratava e mais confuso ainda ficava quando o livro dizia que devíamos esperar o sinal verde para atravessar (eu aprendi que devia esperar o sinal vermelho). — Ah, semáforo deve ser outra coisa, então.
Nossa casa não tinha lá muita indumentária gaúcha, nem nosso linguajar era tão puxado, ao menos não se comparado com o do interior, lá sim o pessoal era mais bagual. Mas meu pai era gaiteiro e nunca passava sem tomar seu chimarrão pelas manhãs.— Desde cedo aprendi a cevar a erva na cuia para meu pai, mesmo que achasse chimarrão terrível de ruim àquela idade (com açúcar até que ficava gostosinho).
Um pouco mais velho, quando resolvi praticar capoeira com meu irmão e vi um berimbau pela primeira vez. Achei super inteligente usarem a parte que sobrava do porongo para fazer um instrumento musical já que apenas metade era usado para fazer a cuia.
Passamos por algumas dificuldades no decorrer dos anos, como a maioria das famílias, mas o importante é que nunca faltou cacetinho e chimia na nossa mesa. Quanto ao nosso gauchês, pessoalmente acho que perdi um pouco do sotaque depois de adulto, resultado de trabalhar com gente de todo lugar, mas nunca deixo de largar um “Bah” ou “Tchê” quando o momento exige.